Photo by Jonathan Borba on Unsplash

Sou do inverno, sou como o inverno, deixo as folhas caírem e torço para ser revestido novamente de outras flores, sinto o frio, a solidão de perder as vestes da minha alma antes tão protegida, mas não há sol para me queimar a face ou os galhos, então eu sei que sobrevivo e logo que o verão retornar me sentirei perdido.

Inverno e inverso, eu mudo tudo completamente de lugar, do lado de fora estou coberto de tudo quanto é possível, por dentro há o mais desnudo ser que é possível conhecer, tenho medo de me olhar no espelho, mas me olho, eu vejo cada fissura de mim, pareço mais velho, talvez seja o inverno, o inverso de mim.

Agora, enquanto derramo esses escritos eu vejo a chama que se acende em meu peito, esperando o momento certo de sair e causar o incêndio, uma só chama que pode incendiar uma floresta inteira de pessoas assim como eu, feitos de inverno.

Photo by Andy Holmes on Unsplash

Olha-me devagar e me enxerga, esse rosto que vês agora talvez não mais se repita, eu mudo, eu sempre mudei, levo em cada olhar uma história que não se repete, uma vida que não se retorna, um sorriso triste de uma nova partida, eu, tão longe do mundo, das histórias que construí, dos mundos em que eu salvei, não só a mim, mas a tantos outros ao meu redor.

Olha-me com cuidado, não me temas, não sou monstro, sou apenas parte desse cosmos, eu me pinto de formas diferentes como Van Gogh às estrelas, não sou bom com descrições e muito vago em vários aspectos, eu sinto a dor e a tristeza que emana dos meus olhos quando no conforto do meu canto eu me permito chorar, sou constelação distante, mas tão perto de ti.

Olha-me como eu te olho, sinta a verdade que lhe transmito, poderia mentir e me esconder, mas não vejo razão nenhuma para o fazer, seria bobagem tentar, eu falho repetidamente em guardar coisas para mim, seria mil vezes mais falho em guardar coisas de ti, sou como o furacão que não derruba sua casa, mas deixa as estruturas todas decadentes, eu sempre ajudo a reconstruir, mais como um remorso do que como dever, eu sou aquela noite escura que as pessoas tem medo de atravessar, mas repito que não sou monstro nem nada a ser temido, sou apenas eu, um infinito que começa em mim, mas ninguém sabe onde irá terminar.

Photo by Nathan McBride on Unsplash

Você diz que eu não te conheço tanto quanto eu deveria, mas na verdade eu só não te conheço tanto quanto eu gostaria, porque eu sei decifrar cada olhar seu, cada mudança sutil de humor, cada palavra que sai no tom errado, eu sei te decifrar, e te decifro tão bem que eu percebo quando me olha impressionado por cada constatação correta que eu faço, eu vejo você e te enxergo.

Tem aquele olhar que você faz quando a gente não concorda, quando eu insisto com esse meu jeito teimoso de fazer as coisas como eu quero, e aquele olhar quando você está um rebelde sem causa com o mundo e eu tento entender e te acalmar pra te mostrar que tudo sempre dá certo no final, muitas vezes você tem o olhar de quem não acredita, algumas vezes eu vejo um relampejo de esperança, mas eu ainda sei que falta muito para eu mergulhar e conhecer, eu tento penetrar cada camada, mas você não permite, ainda não.

O contrário também é verdadeiro, porque você não me conhece, você não me decifra, não sabe perceber quando estou triste, brava ou simplesmente normal, muitas vezes no meu silêncio você encara como culpa sua, tá bem, algumas vezes é, mas muitas outras não, você só consegue enxergar meu olhar de sim ou não como resposta, e acha que me ver aqui, parada diante de ti, no seu abraço é o suficiente para me decifrar, mas não é, ainda não.

E seguimos assim, decifrando bem lentamente um ao outro, levando vidas distintas e sem entender o que nos puxa de volta ao moinho de emoções que nós temos, sem saber qual é a ligação entre duas pessoas que são aparentemente tão diferentes uma da outra, eu acho que são nossas perdas, você acha que são nossos amores, mas, no final, é sempre assim, eu indecisa daqui, você daí, sem conseguir se decifrar.

Sempre existe um momento em que nos sentimos "insuficientes" em que bate na porta a insegurança de que nossos planos caiam por água abaixo desgraçando tudo aquilo que havíamos planejado com tanto carinho e esperança, dói pensar, por um único momento, que você não é capaz, mas garanto que dói mais continuar acreditando nisso.

Sempre existe um momento em que nos vemos no chão, que levamos a rasteira da vida testando nossa força e nossa capacidade de recomeçar, que sacode todo o mundo perfeito que criamos para nós, onde tudo dá certo, onde tudo acontece, dói perceber que tudo é efêmero, dói demais perceber que tudo, um dia, pode terminar.

Sempre existe um momento em que questionamos quem somos, o que fazemos, não nos enxergamos mais como antes, vemos os erros, xingamos a nós mesmos em pensamento ou em voz alta por termos agido de uma maneira errada, dói acreditar que não somos mais reconhecíveis, dóis mais olhar no espelho e não se enxergar.

Sempre existe um momento, e esse momento, às vezes dura uma semana, um mês, um ano, mas esse momento não é sua vida toda, é claro que dói, é claro que corrói, mas nunca é a sua vida, é uma fase absurdamente mal criada que se coloca em nosso colo até que possamos expulsá-la, e eu sei, que você pode passar por esse momento e todos os outros, porque doeria mais se você ignorasse o momento e se arrependesse depois.

As pessoas me perguntam de ti, da história que deixamos chegar ao fim, e eu só respondo "Passado", assim faz doer menos, faz eu me sentir menos idiota, porque o passado é como algo longínquo, distante e não parece esses poucos meses que eu te excluí da minha vida.

Esse relógio pode estar com defeito, já que ele teima em passar devagar, os dias se arrastam lentamente e eu continuo insistindo que vai passar, porque é isso que o passado faz, ele passa e fica pra trás, ele nunca exclui os eventos, mas os faz menos doloridos, menos vivos no espaço do lembrar.

Talvez daqui um tempo essa resposta de "Passado" será mais forte, mais sincera do que hoje, e talvez eu não tenha que correr pro meu canto chorar, mas, no momento, a realidade é essa, então não adianta o quanto eu fale, o quanto eu tente, a dor cortante se insere em mim, me faz sangrar versos tristes e lágrimas salgadas, eu espero o tempo passar, sempre é questão de tempo, mas quanto tempo?