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Eu me olho no espelho, o sorriso tá aqui, como sempre estampado e lindo para quem quiser ver, como é possível me ver triste, se aprendi a disfarçar até meu olhar. Não há nada aqui que diga ou que mostre a verdade, minha dor é pra dentro, eu não deixo ela escorrer na sua frente, nem as lágrimas, nem os gritos que eu sufoco em meu interior, pareço sempre forte, pareço sempre bem, mas, por dentro estou escondido no canto escuro, pedindo por sua luz.

O sorriso tá sempre aqui, eu te deixo bem, eu te faço rir, mas eu sorrio de forma triste, mas o ser humano não repara nisso, um sorriso é sempre um sorriso, não é mesmo?! Como pode alguém como eu ter dilemas, como pode alguém como eu sofrer por amor, por escolhas, por pessoas?! Como pode alguém como eu ter medo do amanhã, querer fugir, desacreditar de si mesmo e preferir parar do que investir em algo não seguro?! Mas minha dor é pra dentro, e talvez ela doa mais do que qualquer outra dor que as pessoas estampem, porque não há platéia no meu caso, não tenho um anjinho do lado direito do ombro para dizer que tudo vai ficar bem.

Estou chorando nesse momento, mas não há ninguém aqui, não nesse horário tão arrastado, é uma paralisia quase que instantânea  dos meus pensamentos, eu só choro, choro tanto que a cabeça lateja, como pode aquele sorriso da manhã, o sorriso do espelho e da foto se desintegrar?! Mas na verdade eu sou humano, e tudo dói em mim, não sou nem quero ser seu modelo de felicidade, estou desintegrando lentamente no curto espaço de tempo em que demoro para pegar no sono.

A manhã chega de novo no meu caminho, um novo sorriso surge das profundezas do meu oceano e, novamente, ninguém saberá da noite anterior, o ciclo que se repete incessantemente em mim, porque a minha dor é pra dentro e quando ela quer ir pra fora eu engulo.

*relato sobre o setembro amarelo*

"Trancar o dedo numa porta dói. Bater com o queixo no chão dói. Torcer o tornozelo dói. Um tapa, um soco, um pontapé, doem. Dói bater a cabeça na quina da mesa, dói morder a língua, dói cólica, cárie e pedra no rim. Mas o que mais dói é saudade.
Saudade de um irmão que mora longe. Saudade de uma cachoeira da infância. Saudade do gosto de uma fruta que não se encontra mais. Saudade do pai que já morreu. Saudade de um amigo imaginário que nunca existiu. Saudade de uma cidade. Saudade da gente mesmo, quando se tinha mais audácia e menos cabelos brancos. Doem essas saudades todas.
Mas a saudade mais dolorida é a saudade de quem se ama. Saudade da pele, do cheiro, dos beijos. Saudade da presença, e até da ausência consentida. Você podia ficar na sala e ele no quarto, sem se verem, mas sabiam-se lá. Você podia ir para o aeroporto e ele para o dentista, mas sabiam-se onde. Você podia ficar o dia sem vê-lo, ele o dia sem vê-la, mas sabiam-se amanhã. Mas quando o amor de um acaba, ao outro sobra uma saudade que ninguém sabe como deter.

Saudade é não saber. Não saber mais se ele continua se gripando no inverno. Não saber mais se ela continua clareando o cabelo. Não saber se ele ainda usa a camisa que você deu. Não saber se ela foi na consulta com o dermatologista como prometeu. Não saber se ele tem comido frango de padaria, se ela tem assistido as aulas de inglês, se ele aprendeu a entrar na Internet, se ela aprendeu a estacionar entre dois carros, se ele continua fumando Carlton, se ela continua preferindo Pepsi, se ele continua sorrindo, se ela continua dançando, se ele continua pescando, se ela continua lhe amando.

Saudade é não saber. Não saber o que fazer com os dias que ficaram mais compridos, não saber como encontrar tarefas que lhe cessem o pensamento, não saber como frear as lágrimas diante de uma música, não saber como vencer a dor de um silêncio que nada preenche.

Saudade é não querer saber. Não querer saber se ele está com outra, se ela está feliz, se ele está mais magro, se ela está mais bela. Saudade é nunca mais querer saber de quem se ama, e ainda assim, doer."
-Martha Medeiros